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Manejo contra a desertificação

Diário do Nordeste

Manejo contra a desertificação

14/02/2013

Brasília. Com aproximadamente 1,3 milhão de quilômetros quadrados do seu território sob risco de se transformar em deserto, pensar o uso correto da terra é cada vez mais urgente ao Brasil. Dados do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, mostram que a área suscetível chega a 15% do território nacional e envolve 1.488 municípios em nove estados da Região Semiárida do Nordeste brasileiro, do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo.

De acordo com o coordenador da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), Naidison Batista, a conscientização dos agricultores sobre o manejo adequado da terra somada à difusão de tecnologias adaptadas ao Semiárido são elementos fundamentais para combater o processo de desertificação no país. Para isso, Batista defende o uso das técnicas agroecológicas no combate e prevenção à desertificação.

“O enfrentamento desse processo tem que ser feito por meio da prevenção e não remediando (o problema). E nessa luta, a aplicação das práticas da agroecologia são fundamentais, porque elas preconizam o cuidado com a terra, a compreensão de que é preciso usufruir dela sem esgotá-la, sem objetivar apenas o lucro”, argumentou.

Ele acrescentou que a lógica do agronegócio, baseada na monocultura e no uso de agrotóxicos, contribui em grande parte para a degradação do solo, mas alertou que toda a humanidade é responsável por tentar conter esse processo.

“O homem do campo tem que entender que suas práticas têm impacto sobre a natureza, mas o homem da cidade também precisa saber que suas ações também têm consequências. É preciso não desperdiçar água em banhos demorados ou em lavagens prolongadas de carros, por exemplo, exaurir rios e mananciais, entre outros”, afirmou.

Segundo Naidison Batista, já existem muitas tecnologias sendo usadas no Semiárido e com resultados positivos. Uma delas, o Programa Um Milhão de Cisternas, implementado pela ASA, em parceria com o governo federal, agências de cooperação e empresas privadas, permite captar a água da chuva para consumo humano por meio de cisternas de placas de cimento. A infraestrutura, com capacidade para 16 bilhões de litros de água, já está presente nas casas de aproximadamente 600 mil famílias.

Menos conhecida e difundida é a saída encontrada pela pequena agricultora paraibana Angineide de Macedo, de 42 anos. Após acompanhar o processo de degradação de sua propriedade, de aproximadamente dois hectares, ela conheceu, com a ajuda de uma organização não governamental local, os benefícios do cultivo do nim indiano. A planta, que tem crescimento rápido e atinge uma altura de 8 metros em três anos, ajudou a reverter as consequências da desertificação no local e a salvar a plantação de ervas medicinais que, segundo a agricultora, estava bastante prejudicada.

“As plantas não resistiam muito, porque o sol castigava e elas morriam. Agora, com o nim, elas têm sombra e ficam protegidas do vento. As crianças também melhoraram, porque agora têm sombra para brincar e não ficam tão doentes com a poeira”, contou ela, que também planta em sua propriedade hortaliças e legumes.

Prioridade

Embora o combate à desertificação seja fundamental à implementação de uma agenda consistente para o Desenvolvimento Sustentável, o tema ainda não é visto como prioridade pelos governos mundialmente. A avaliação é do presidente do Comitê Científico da Convenção das Nações Unidas para Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos de Secas (UNCCD), Antônio Rocha Magalhães.

Segundo ele, os impactos da seca são cada vez mais severos e a interferência humana, promovendo desmatamento e erosão, por exemplo, contribui para a piora do cenário. Magalhães argumenta que a prevenção e o combate à desertificação estão diretamente relacionados aos esforços para erradicação da pobreza.

“Cerca de 2 bilhões de pessoas vivem em áreas secas, sujeitas à desertificação, que representam 40% do território mundial. Essas áreas concentram 60% da pobreza mundial, por isso, quando se fala em erradicação de pobreza tem que se olhar em particular para essas regiões. Por serem mais pobres, com recursos naturais menos promissores e atividades agrícolas mais arriscadas por causa do déficit hídrico, elas não conseguem atrair apoio político forte”, afirmou.

Antônio Rocha Magalhães, que também é assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, alertou que os recursos investidos para prevenir a desertificação são “muito menores” do que os prejuízos trazidos pelo problema.

Ele lembrou que, no ano que vem, o Brasil (Fortaleza) vai sediar a 2ª Conferência Científica da Convenção das Nações Unidas sobre Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos de Secas (UNCCD). Durante o encontro, que faz parte do calendário oficial das Nações Unidas, serão avaliados os impactos econômicos do combate à desertificação e da implementação de políticas de mitigação de efeitos de seca.

“O que já se sabe de antemão é que o custo de não se fazer nada é muito maior, porque os impactos futuros esperados, diante do aumento da pressão sobre essas regiões, devem impor prejuízos econômicos, sociais e ambientais muito maiores do que o que seria necessário para implementar políticas de prevenção”, enfatizou.

Entre as principais consequências da degradação dessas terras estão as perdas para o setor agrícola, com o comprometimento da produção de alimentos; a extinção de espécies nativas; o agravamento da desnutrição da população local; baixo nível educacional e a concentração de renda.

O presidente do Comitê Científico da UNCCD, destacou que no Brasil o processo de desertificação atinge várias regiões principalmente do Nordeste. Os chamados núcleos de desertificação, onde a situação de degradação é mais crítica, são: Seridó, no Rio Grande do Norte, na divisa com a Paraíba; Irauçuba, no Ceará; Gilbués, no Piauí; e Cabrobó, em Pernambuco.

Magalhães ressaltou, no entanto, que o quadro mais grave mundialmente é observado na África. No continente, “a situação de pobreza é maior e é agravada pelas diferenças políticas e étnicas”, o que dificulta a implementação de uma agenda de desenvolvimento sustentável para a região.

Além disso, as projeções populacionais preveem manutenção do crescimento, enquanto no Brasil o ritmo (de crescimento populacional) já diminui e já se vislumbra uma estabilidade da população. Na África, ele continua explodindo, com taxas de até 4% ao ano em alguns países”, ressaltou.

Magalhães enfatizou que esse quadro “justifica os esforços do Brasil em estabelecer uma cooperação com a África”.

No dia 20 de junho de 2012, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), foi firmado um acordo tripartite para o combate à desertificação da África, formado por Brasil, França e um bloco de países do continente. Na oportunidade, foi lançado edital de seleção de projetos de pesquisa sobre o tema no valor de 1 milhão de euros (cerca de R$ 2,6 milhões).


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