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Academia não atende demanda industrial

Brasilianas.org

Academia não atende demanda industrial

04/08/2010

A inovação tecnológica é, sem dúvidas, um dos principais fatores da política industrial nacional, cujo objetivo maior é enrijecer a economia dos setores produtivos. Para isso, é necessário que haja sintonia entre os estudos e pesquisas realizados nas universidades com as demandas dos setores empresariais que mais exigem conhecimento tecnológico. Nesse sentido, a preocupação com a formação de profissionais altamente qualificados não é restrita apenas ao âmbito acadêmico, mas tem inquietado cada vez mais a indústria brasileira.

Sem mão-de-obra qualificada e avanços no campo científico e tecnológico, é, portanto, impossível vislumbrar progressos nas áreas de defesa, saúde, tecnologia da informação, energia nuclear e nanotecnologia, setores priorizados na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada em 2008 pelo Governo Federal. Questiona-se, no entanto, se há, no Brasil, número suficiente de profissionais titulados - mestres e doutores - envolvidos com pesquisas, para atender a demanda industrial.

Investimentos em P&D

Entre os desafios estabelecidos pela PDP destacam-se a ampliação da capacidade de oferta para superar a demanda em expansão e, essencialmente, o aumento da capacidade de inovação das empresas brasileiras. Trata-se de um fator imprescindível para agregar valor aos produtos nacionais, com o intuito de consolidar o Brasil em atividades competitivas. Isso, de certo, envolve estratégias para incentivar a publicação de novas patentes tecnológicas e qualificar e absorver pessoal especializado.

De acordo com o estudo Sondagem de Inovação, elaborado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) - órgão ligado ao Governo Federal e que, junto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Ministério da Fazenda, forma a coordenadoria-executiva da PDP -, durante o primeiro trimestre de 2010, 71,4% das grandes empresas industriais realizaram inovações tecnológicas. A expectativa para o segundo trimestre é de 74,3%. Tal dado está estritamente associado à expectativa de crescimento e do aumento de renda do setor produtivo. O estudo ainda revela que 83,52% das empresas industriais fizeram investimentos diretos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no primeiro trimestre de 2010, sendo que 25% declararam que esses investimentos foram ampliados.

A preocupação em gerar pesquisas voltadas para a inovação é comprovada também quando se avalia o acréscimo proporcional de repasses feitos pelo governo, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Em 2008, foram solicitados ao Inova Brasil - programa que dá suporte a PDP - R$ 2 bilhões, em um total de 82 projetos inovadores. Já o repasse em 2009 teve aumento de 57%, sendo registrados R$ 3, 172 bilhões para 154 projetos. Para o chefe do Departamento de Acompanhamento da Finep, Maurício Syrio, as empresas viram que “não tem como fazer projetos de inovação sem ter uma equipe especializada para desenvolver o produto ou o serviço”.

Todos os programas da Finep, em particular o Inova Brasil e a Subvenção Econômica, procuram dar subsídios para ampliar a capacitação do corpo funcional da empresa e a contratação dos serviços de um especialista ou consultor, que geralmente são mestres ou doutores. “Para se pensar em programas de inovação, desenvolver um projeto diferenciado, a empresa precisará de conhecimento, e isso sempre se busca na universidade”, ressalta Syrio, que ainda chama a atenção para o fato das empresas que receberam recursos da Subvenção terem relatado que conseguiram aumentar o quadro, reter profissionais titulados e subir o número de especialistas. “Praticamente todos os projetos relatam o uso de uma consultoria, de um mestre ou doutor de uma universidade”, complementa. É importante deixar claro que a Finep direciona seus recursos exclusivamente para a criação, e não aquisição de máquinas. O chefe do departamento explica que, quando há o financiamento de um equipamento, é porque ele será necessário durante a pesquisa e o desenvolvimento de uma inovação. “Não financiamos equipamentos para ampliar a linha de produção de uma indústria, como o faz o BNDES”.

Em 2009, uma pesquisa comandada pela McKinsey indicava que somente para 47% dos executivos os investimentos em P&D eram prioridade. Agora, em 2010, depois do auge da crise econômica, este percentual saltou para 60%. No entanto, deve-se ficar atento quando se afirma que as aplicações de recursos em inovação estão crescendo no Brasil. Neste ano, o volume estimado de investimentos em P&D será de R$ 13,5 bilhões, o que representa um salto de 64,6% sobre os R$ 8,2 bilhões em 2009, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Apesar disso, a sondagem realizada pela ABDI mostra que os gastos com atividades de inovação durante o primeiro trimestre de 2010 estão mais concentrados para a aquisição de máquinas, com aumento de 40%. Os investimentos em P&D aumentaram aproximadamente 25%. Como se observa, este aumento em P&D é satisfatório, mas ainda lento. Isso explica o fato de haver mais contratações de doutores para os setores de educação (mesmo com a diminuição) e serviços públicos, apesar do crescimento da demanda por mão-de-obra titulada - como apontado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

O crescimento de investimentos em pesquisa toma de surpresa o mercado e explicita um paradoxo inevitável. Em entrevista ao Brasilianas.org, a diretora da ABDI, Maria Luisa Campos Machado Leal, afirmou que “esse crescimento muito grande coincide um pouco com a chegada ao mercado de um menor número de mão-de-obra, especialmente de engenheiros”. Quando a economia estava crescendo, no período em que foi lançada a PDP, registrava-se aproximadamente 17 trimestres consecutivos de avanços nos investimentos à frente do Produto Interno Bruto (PIB). Assim, de um lado, encontram-se grandes esforços para tornar mais forte a economia, mas, de outro, o ritmo também assusta, uma vez que exige recursos humanos capazes de dar conta do que vem pela frente, no que diz respeito ao processo de inovação.

Fala-se, portanto, não apenas da mobilização das indústrias para aproveitarem adequadamente os recursos públicos que devem ser investidos em infraestrutura, mas, principalmente, da base de mão-de-obra qualificada para pensar, operar e executar projetos de pesquisa para as principais áreas tecnológicas. E é a falta de profissional especializado que merece ser avaliada e discutida em conjunto com a política industrial.

Engenheiros

Um bom exemplo da escassez de mão-de-obra é o caso da engenharia de minas - ramo dedicado à extração de minérios. De todas as engenharias, essa foi a que menos formou doutores no período de 12 anos. Entre 1996 e 2008, foram titulados apenas 78, número extremamente inferior se compararmos com os 2.335 da engenharia elétrica ou os 1.630 da engenharia mecânica, durante o mesmo período, conforme dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

O pico foi em 2001, quando 18 pessoas concluíram o doutorado em engenharia de minas. Entre elas, estava o Dr. Eduardo César Sansone, atualmente professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e que, ao contrário da maioria de seus colegas, trocou as ofertas do mercado pelo laboratório que coordena na universidade, onde se dedica exclusivamente à pesquisa.

“Em primeiro lugar, o gosto pessoal”, é a explicação que Sansone encontra para justificar sua escolha. A vontade de ensinar superou os atrativos salários oferecidos pelas empresas. “Na indústria, eu poderia ganhar mais, com certeza, mas no balanço geral, a pesquisa chamou mais a atenção”, conta. E o professor, como bom pesquisador, não chegou a essa conclusão sem mergulhar antes nas experiências: trabalhou, no início da carreira, no setor industrial, diretamente no seu campo de trabalho. Após o mestrado, recebeu o convite para participar de uma pesquisa na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI / USP), e desde então não voltou a pisar novamente numa fábrica.

Mas, por ser pesquisador de uma área tecnológica, não chegou a cortar o cordão umbilical com o mercado. “Durante o doutorado, contei com a ajuda de algumas empresas, que forneciam material pra auxiliar na análise da resistência de rochas”. Os resultados do estudo foram, posteriormente, fornecidos às empresas, mas não vendidos. Sansone explica que em cursos ligados à tecnologia, o aluno de mestrado ou doutorado é inserido numa linha de pesquisa da universidade, que, na maioria dos casos, está dentro de uma cooperação entre a universidade e a indústria e que envolve outras linhas de pesquisa. E, no caso da engenharia de minas, os poucos mestres e doutores que são formados acabam optando pelo setor produtivo e, devido a isso, as vagas no meio acadêmico são mais restritas.

Três anos depois de Sansone, Carlos Henrique Costa Jardim obteve o título de mestre em engenharia de minas, na mesma universidade. Seus conhecimentos sobre mecânica de rochas e geotecnia aplicada à obra rodoviária - objeto de sua pesquisa - encontraram, no entanto, mais condições de serem aplicados no mercado do que no meio acadêmico. Na verdade, até certo ponto, afinal Jardim atualmente exerce funções mais administrativas do que técnicas na empresa em que trabalha, a Concremat.

Os seis anos de dedicação, como professor universitários, foram mais do que suficientes para fazê-lo desistir da carreira de professor. “A rotina acadêmica cansava muito, era muito puxado e a carga horária não compensava”, e, por isso, preferiu “cuidar de contratos e arrecadar dinheiro para a empresa”.

Hoje diretor de uma empresa que presta serviços para empresas como Petrobras, Metrô e CPTM, Jardim sabe muito bem o quão concretos são os problemas que as estatísticas expostas nos estudos aqui citados representam. Toda segunda-feira de manhã, ele faz reuniões com o setor de RH, tanto de São Paulo quanto do Rio de Janeiro, para que novas vagas a engenheiros sejam abertas. Contudo, a demanda é maior que a oferta, e Jardim e sua equipe se vêem, toda semana, na mesma situação dramática: “não conseguimos preencher todas as vagas”. Ao ser questionado se o problema se refere ao fato de se precisar de mais doutores e mestres nas áreas tecnológicas, o engenheiro é enfático: “não consigo contratar nem engenheiro, quanto mais doutor”.

O motivo, destaca Jardim, tem a ver com o “gap” de grandes obras, principalmente nas áreas ferroviárias e rodoviárias entre 1985 e 2000, o que fez com que muita gente não optasse pelas engenharias de minas e civil, por exemplo. Mas, a partir de 2006, “houve um aquecimento e isso pegou de surpresa a formação de engenheiros”. Para ilustrar, ele cita o caso de sua empresa. Hoje ela tem, no quadro de funcionários, somente 5 mestres e 3 doutores, entre os 5.500 funcionários que emprega. O número tímido de titulados, além de se explicar pela baixa formação de doutores na área, também representa a idéia que está presente em muitos setores da indústria: a de que “acadêmicos” não são tão práticos. “Se você pegar um cara que está a dez anos no mercado, mas que nunca fez mestrado, é melhor, pois ele tem a praticidade”, explica Jardim, acrescentando ainda que “o outro cara, que fez mestrado, às vezes nunca escavou um túnel, só tem teoria”.

Pesquisadores

Realmente, a cultura de valorização do pesquisador pelo mercado, no Brasil, ainda é inferior se compararmos com outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, é o mercado que mais contrata titulados. Segundo Sansone,“se a empresa não desenvolve a tecnologia, ela não se importa muito se o empregado é mestre ou doutor”. Portanto, o caminho é que, além dos incentivos para a abertura de vagas e concessões de bolsas nos cursos de pós-graduação, haja, paralelamente, esforço para que se fomente a criação tecnológica nas empresas.

Sansone e Jardim, apesar das decisões opostas e das visões distintas sobre a aplicabilidade das titulações que conquistaram, apontam problemas específicos do mercado e da academia que, quando colocados lado a lado, se completam. O professor mostra que os principais entraves para a pesquisa no Brasil convergem para a questão do financiamento público da pesquisa, o que indica o fato das universidades precisarem realizar convênios com empresas. Estas, por sua vez, precisam de novos pesquisadores. Esta relação “simbiótica” entre mercado e academia, na aparência, sugere uma boa saída, mas vista sob a ótica “a longo prazo”, nem tanto. O fato do desenvolvimento de pesquisas tecnológicas na universidade dependerem muito dos incentivos e demandas das empresas, muitas vezes pode contribuir para que a própria mão-de-obra especializada seja desencorajada a desenvolver pesquisas nas universidades, ou que a iniciativa privada seja a grande financiadora da ciência. Jardim mesmo aponta que muitos engenheiros estão indo trabalhar como administradores, por encontrarem, como ele, mais desafios para gerir recursos humanos. E diz que voltaria somente à pesquisa como hobby, para atualizar seus conhecimentos. Seja por hobby ou por profissão, a pesquisa nas engenharias deve esquecer aquele nostálgico gap de anos atrás.

Formação Profissional

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em 2008, nas instituições públicas de ensino superior, o índice de desistência nos cursos de engenharia chegou a 60% e, nas particulares, foi de 75%. Nos anos 1990, por exemplo, 7% dos matriculados em graduação eram das engenharias; hoje, são apenas 5%. Em 2004, quatro anos antes do lançamento da PDP, enquanto ainda era vigente a Política Nacional Industrial (PNI), já havia sido executada uma ação para a formação de recursos humanos para os setores produtivos. Os auxílios concedidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) passaram a priorizar especificamente bolsistas para as áreas de engenharia, pelo fato de haver, neste campo do conhecimento, significativa evasão durante a graduação.

“Durante a PNI, eram formados menos engenheiros e isso era incompatível com as demandas do mercado e dos avanços”, explica o presidente da Capes, Jorge Almeida Guimarães. Dessa forma, para que a meta de formar 3900 doutores em engenharia em 2010 - frente aos 1284 que foram titulados no ano passado - seja alcançada, é preciso corrigir os problemas na graduação, “especificamente com a questão das desistências nos cursos”.

O diretor de Relações Internacionais da Capes, Sandoval Carneiro, acredita que a evasão ocorre, geralmente, nos dois primeiros anos do curso, “porque o estudante tem muita teoria e isso desestimula”. Uma sugestão é que os cursos passem a incluir disciplinas práticas logo nos primeiros anos, assim como ocorre nos cursos de medicina. Segundo ele, isso ocorreu “pois o mercado ficou ruim para os engenheiros durante as últimas décadas”, o que não estimula novos alunos. Entre os motivos, estaria o fato de apenas 1/3 dos engenheiros formados irem trabalhar diretamente no setor produtivo, no “chão da fábrica”. “O restante, muitas vezes por desinteresse na área, envolve-se com os setores bancário e financeiro”, explica.

Hoje existe uma articulação entre várias entidades, entre elas a Confederação Nacional da Indústria, o CNPq e a própria Capes, para que soluções sejam elaboradas a fim de corrigir problemas da formação em engenharia. Os caminhos, revela Carneiro, são as concessões de bolsas para auxiliar o pagamento de mensalidades, e fazer com que os alunos iniciantes possam se dedicar exclusivamente aos estudos; e o incentivo para a concepção de uma nova metodologia de ensino que exponha, logo no primeiro ano de curso, uma introdução à engenharia, como é feito em algumas poucas universidades do país. Fora isso, é preciso conectar as disciplinas que compõem o curso, no sentido de se configurar uma unidade coerente. Na estrutura dos cursos, explica o diretor, há professores de física, e química que muitas vezes não conseguem fazer o aluno de engenharia relacionar o que é ensinado com aquilo que eles entendem por engenharia.

Na busca por soluções, dentre esse conjunto de programas de incentivos e subvenções econômicas que, nas últimas décadas, tem colaborado para estimular a contratação de titulados e aquecer as pesquisas que resultam em inovação, Eduardo Viotti, coordenador da pesquisa do CGEE, destaca o Programa Nacional de Pós-Doutorado, o PNPD, do Ministério da Ciência e Tecnologia, que investirá R$ 41,25 milhões para incentivar a atuação de doutores em projetos de pesquisa, conforme divulgado na última Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, no último mês de maio. Resta saber se os esforços para abastecer os setores industriais com mestres e doutores, principalmente nos campos tecnológicas, não ocasionam um desequilíbrio na balança indústria-meio acadêmico.

Jorge Almeida, da CAPES, explica que estamos num momento cíclico. Faltam titulados no mercado e também professores na academia - e quando se tira de um lado, falta no outro. “O que precisaria ser feito é aumentar o valor da bolsa para mestres e doutores, para ela ficar competitiva e possibilitar ao acadêmico fazer sua pesquisa com segurança”, comenta. Por enquanto, saber que em 2008, foram titulados, entre mestres e doutores, 46.725 pessoas e, em 2009, 50.156, não é tão significativo quanto a percepção de que este aumento ainda não atende as demandas da indústria e do meio acadêmico, dois campos que, embora de culturas distintas, são vitais para o processo de desenvolvimento produtivo do país.


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