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Com produção menor, peso das exportações aumenta na indústria

Valor Econômico

Com produção menor, peso das exportações aumenta na indústria

20/01/2016

Em 6 de 23 setores industriais, a participação das exportações na produção já voltou - ou superou - ao nível de dez anos atrás. Na comparação com o fundo do poço da exportação de manufaturados, em 2010, apenas dois setores ainda estão no negativo.

O impacto dessa recuperação do coeficiente de exportação da indústria, contudo, é ilusório, pois se dá sobre uma produção menor em volume e tecnologicamente mais pobre. A indústria exportou, nos primeiros nove meses do ano passado, 16% de tudo que produziu, percentual superior aos 13,6% de 2010. O volume produzido, contudo, foi mais de 10% menor na mesma comparação.

Apesar do câmbio, que devolveu uma boa dose de competitividade à indústria nos últimos quatro anos, o retorno à patamares mais altos e de maior densidade tecnológica na exportação vai demorar por conta de um efeito que os economistas chamam de "histerese" da relação câmbio e competitividade. Em grego, histerese significa atraso. Na física, o conceito está relacionado à tendência de um material de conservar propriedades mesmo quando cessados os estímulos que as provocaram.

Na economia, explica David Kupfer, diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), histerese significa a defasagem temporal entre causa e efeito. "Há comprovação de que taxa de cambio interfere de forma importante na corrente de comércio, mas com uma defasagem ", diz Kupfer. Quando a indústria vem de um forte período de valorização da moeda e a perda de valor da divisa ocorre de forma errática, com muita volatilidade, esse intervalo pode ser mais longo.

"A reação da indústria ao patamar mais competitivo do real vai demorar", resume Paulo Gala, professor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (EESP-FGV) e economista da Fator Administração de Recursos. O atraso na reação industrial também está relacionado à perda de densidade tecnológica da produção industrial brasileira, observa Gala.

Dados coletados pelo economista no Atlas da Complexidade, desenvolvido pela Universidade de Harvard e que compila dados de exportação de quase todos os países, mostra que o setor de transportes respondeu por 12% da exportação brasileira em 2004, percentual que recuou para 7% em 2014, sendo que automóveis prontos caíram de 3% para 1%, enquanto partes e peças para motores e motores para caminhões perderam menos espaço. A participação de máquinas e material elétrico passou de 11% para 6% do total, na mesma comparação, e dentro desse grupo, a exportação de celulares, que representava quase 10% do total, praticamente acabou.

"O Brasil não só reduziu as exportações em muitos setores importantes, mas dentro desses setores, os produtos mais nobres perderam espaço. Perdemos complexidade", resume Gala.

Mariano Laplane, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e professor da Unicamp, concorda que o tecido industrial brasileiro ficou menos complexo depois de anos de real forte. "Vamos exportar material de transporte, vamos exportar também pasta de celulose, alimentos, mas teremos enormes dificuldades para transformar o Brasil em uma plataforma de exportação de eletrônicos ou de produtos farmacêuticos. Nós estamos sim nas cadeias globais de valor, só que na ponta do consumo", afirma.

Esse é apenas um dos fatores que estão atrasando a reação do setor industrial ao câmbio mais competitivo, observa. Há ainda a necessidade de adequar a produção ao que é demandado fora do país, restabelecer contratos e reconstruir o relacionamento com o exterior perdido quando a indústria se voltou para o mercado interno. "Nós perdemos mercado até na vizinhança, na América do Sul. Recompor isso demora meses".

O baixo crescimento do mercado mundial, disputado por outros emergentes que também têm excesso de capacidade ociosa, é outro aspecto que mitiga a reação das vendas ao exterior. "Isso tudo é para dizer que a reação vai ocorrer, mas é bom não termos expectativas irrealistas".

Renato da Fonseca, gerente de Pesquisa e Competitividade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), lembra que não foi apenas o câmbio o responsável pela redução das exportações de manufaturados. Ao mesmo tempo em que o real estava apreciado, o mercado doméstico crescia mais do que o mundo. Entre 2004 e 2010, a absorção interna cresceu 43%, bem acima do crescimento mundial, de 34%. Agora, além de um câmbio mais competitivo, as indústrias têm pela frente um encolhimento da demanda interna de 10% no

biênio 2015-2016.

"O mundo está crescendo pouco, mas está crescendo. O aumento da demanda externa, enquanto a interna encolhe, também impulsiona as exportações. Não é uma boa razão, mas é real", diz ele. Nas previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) mundial crescerá 6,8% no mesmo período.

Como consequência da queda do PIB, há excesso de capacidade ociosa na indústria brasileira, o que deve levar alguns setores a tentar reativar os canais de exportação, mesmo com margens baixas, diz Kupfer, da UFRJ. Um exemplo claro, afirma, é o da metalurgia, que teve produção 21% menor no terceiro trimestre de 2015, mas conseguiu exportar 18% a mais. "É um setor que tem muita capacidade ociosa, tem bastante flexibilidade para fazer reestruturação, pode ser que adote estratégia exportadora mais firme."

Há outros segmentos, porém, em que esse processo vai demorar mais, porque certa readequação dos processos de produção se faz necessária. "Muitas vezes o longo período de valorização do câmbio eliminou exportadores, e só o cambio não faz com que eles voltem", afirma Kupfer. "Quem comprava já tem outros fornecedores, com inovações tecnológicas, aperfeiçoamentos que a gente não acompanhou. A mudança cambial vai trazer certo ânimo para as exportações, mas possivelmente não para retomar os níveis anteriores".

Muitas indústrias, diz Gala, ficaram muito tempo fora do mercado exterior e precisam achar os clientes de novo, estabelecer linhas de crédito, remontar equipes de pós-venda, entre outros mecanismos fundamentais para atuar no exterior. Saem na frente empresas que reduziram mas não abandonaram a exportação (apesar das perdas) e que mantiveram canais ativos com clientes do exterior e filiais de multinacionais que podem ser "escolhidas" pela matriz para atender clientes globais, porque o custo de produção no Brasil ficou mais barato que o da Turquia, por exemplo.

Em parte, essa estratégia esbarra nas cadeias globais, avalia Fonseca. Em muitos casos, diz ele, cada fábrica produz um pedaço de um bem final ou um modelo de automóvel. "A lógica de deslocamento da produção já não funciona para todos os setores", afirma. Na sua avaliação, o país e as empresas não devem subestimar qualquer espaço para

voltar ao mercado global. A China, lembra, produz só 4% do valor agregado de um iPod. "Mas isso gera muito emprego e renda no país. Podemos voltar ao mercado externo pegando pedaços de uma produção", argumenta. 


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