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Pedidos de patente quintuplicam nos anos 2000

Jornal da Ciência

Pedidos de patente quintuplicam nos anos 2000

29/06/2010

De acordo com estudo de pesquisadores da Unicamp, 52% do total de pedidos de patente no país são de São Paulo

O número de pedidos de patentes apresentados por universidades brasileiras ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) praticamente quintuplicou durante a última década quando comparado ao período de 1990 a 1999, mostra o estudo "Patentes Acadêmicas no Brasil: Uma Análise Sobre as Universidades Públicas Paulistas e Seus Inventores", de Rodrigo Maia de Oliveira, doutorando do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, e Lea Velho, professora titular do departamento.

O artigo que sistematiza os resultados da pesquisa foi publicado na edição 14 da revista Parcerias Estratégicas, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

O grande destaque são as universidades estaduais e federais de São Paulo, responsáveis por 1.085 dos 1.644 depósitos feitos pelas universidades brasileiras de 2000 a 2007, período detalhado pelos pesquisadores.

Apesar desse crescimento importante, os autores do estudo destacam que a participação da universidade brasileira como usuária do sistema de propriedade intelectual ainda é "incipiente".

Em entrevista, Maia contou que há países em que as universidades patenteiam mais - como é o caso dos Estados Unidos, que têm instituições mais antigas e usuárias do sistema de proteção de propriedade intelectual há mais tempo. "Aqui, os agentes estão envolvidos no processo há menos tempo", afirma. Por essa razão, diz, não é possível comparar as universidades brasileiras com as dos EUA e de outros países desenvolvidos.

Doutorado

Maia vai defender sua tese sobre as patentes acadêmicas no segundo semestre de 2010. Além de analisar os números nacionais, seu artigo - assinado também por Lea Velha, sua orientadora - apresenta estudo do caso de cinco universidades públicas do Estado de São Paulo (USP, Unicamp, Unesp, Universidade Federal Paulista e Universidade Federal de São Carlos) e apresentam dados sobre titularidade, áreas tecnológicas nas quais as patentes são depositadas e número de depósitos feitos no exterior. Analisam também a transferência de tecnologia por meio dos contratos de licenciamento e o perfil dos inventores das universidades.

Entre outras descobertas, o estudo detecta que o "campeão" de pedidos de patentes é um profissional da Unicamp: o professor Rodnei Bertazzoli, diretor da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da universidade desde abril de 2010. Também afirma que a comercialização das tecnologias desenvolvidas pelas cinco universidades paulistas ainda pode ser mais bem explorada pelas instituições.

Com o estudo de caso, eles pretendem ainda ter contribuído para que outros pesquisadores possam fazer trabalhos semelhantes relacionados às universidades dos demais Estados da federação.

Pequeno número de licenciamentos, poucas patentes de titularidade compartilhada com empresas, forte crescimento na busca de proteção para a propriedade intelectual na virada para o século XX, forte presença das instituições acadêmicas de São Paulo nos números do Brasil - com 52% das patentes - e professores titulares envolvidos em programas de graduação como os inventores mais frequentes são as características das patentes acadêmicas encontradas na pesquisa de Maia.

Estatísticas

Os autores localizaram 2.099 pedidos de patente depositados por 90 universidades públicas estaduais e federais, no período de 1970 a 2007 na base de patentes do INPI e junto aos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) das universidades.

Em gráfico, mostram que a evolução maior se deu no período 2000-2007: entre 1970 e 1979, houve um único pedido de patente feito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - o primeiro de uma universidade no Brasil -; entre 1980 e 1989, os pedidos aumentaram, chegando a 120; na década seguinte, foram 334 depósitos; e entre 2000 e 2007, as universidades tinham 1.644 patentes depositadas no INPI.

Os autores explicam o baixo interesse no patenteamento na fase anterior a 1997 - até 1996, a média de pedidos não chegava a 50 por ano - por três fatores. O primeiro é a forte influência das chamadas normas mertonianas, referência a Robert Merton, considerado fundador da sociologia da ciência. Essa influência levava os pesquisadores a privilegiar a difusão livre e ampla dos conhecimentos produzidos, pois a ciência atuaria para o bem comum, e a proteção seria contrária a esse interesse.

Como segundo fator para o desinteresse pela proteção à propriedade intelectual, os autores apontam a complexidade para a obtenção de uma patente naquele período. O terceiro fator apresentado é a falta de um sistema jurídico organizado e claro para o uso do sistema de patentes pelas universidades, algo que começou a mudar apenas em 1996, com a Lei 9.279 (Lei de Propriedade Industrial), e que contou com novos instrumentos jurídicos ainda mais recentes, como a Lei 10.973/2004 (Lei de Inovação) e o seu decreto de regulamentação (5.563/2005).

De 1997 a 2001, os autores identificam uma fase de crescimento dos pedidos de patentes, mas é entre 2002 e 2007 que ocorrem picos de elevação, com níveis próximos de 350 depósitos de patentes acadêmicas por ano. Nesse período, a Unicamp alcança uma média de 50 depósitos por ano; em 2007, a USP pediu 79 patentes, a UFRJ, 40, e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 33. "Nesta última fase (2000-2007) estão concentrados 70,4% dos depósitos realizados por universidades públicas brasileiras junto ao INPI em todo o período 1979-2007", destacam os autores no artigo.

Citando outro pesquisador, Luciano Martins Costa Póvoa, da UFMG, Rodrigo Maia e Lea Velho afirmam no artigo que três mudanças podem explicar o aumento registrado na última década: as mudanças no arcabouço legal brasileiro relacionado à propriedade intelectual; o aumento da intensidade da atividade de pesquisa acadêmica, alavancada pelo aumento do dinheiro público no sistema de pós-graduação e no número de pesquisadores, decorrência da maior formação de doutores; e a mudança no comportamento dos cientistas brasileiros em relação aos direitos de propriedade intelectual, motivada pela criação dos NITs e pela atualização, com a Lei de Inovação, das regras que definem a participação do pesquisador nos resultados econômicos obtidos a partir da exploração comercial das pesquisas.

O estudo aponta também para a predominância das universidades do Sudeste nas estatísticas. Dos 2.099 depósitos entre 1979 e 2007, 1.699 ou 79,5% dos pedidos são de universidades dessa região. Isso decorre da maior concentração de pesquisadores, investimentos públicos e instituições científicas e tecnológicas nessa região.

A Região Sul está em segundo, com 259 documentos (12,3%), seguida do Nordeste, com 104 pedidos (5%), Centro Oeste, com 46 (2,2%), e Norte, com 21 depósitos (1%). Dentro do Sudeste, o grande destaque fica para as universidades estaduais: dos 1.699 depósitos, 1.085 são de uma das três - USP, Unicamp ou Unesp -, representando 51,7% do total.

Titularidade

A titularidade das patentes depositadas entre 2000 e 2007 reflete parte dos acordos estabelecidos com parceiros externos à instituição na execução de atividades de pesquisa com aplicação industrial. Além de companhias privadas, os pesquisadores notaram que aparece também como cotitular a Embrapa, algumas universidades, institutos de pesquisa brasileiros e estrangeiros e agências de fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Na UFSCar, dos 45 depósitos feitos, 29 (64,4%) foram compartilhados com outras instituições, sendo seis deles com empresas privadas. Na Unifesp, do total de 28 pedidos, 17 (60,7%) foram em cotitularidade e quatro envolveram empresas. A USP aparece com 108 dos 260 pedidos registrados entre 2000 e 2007 compartilhados com parceiros, o que representa 41,5% do total; 15% dos pedidos são compartilhados com empresas; e a Fapesp aparece como cotitular em 79 depósitos (30,4% do total).

Unesp e Unicamp apresentaram menores proporções de patentes compartilhadas. Dos 61 documentos depositados pela Unesp, 14 (23%) tinham um cotitular, apenas um sendo empresa privada. A Fapesp é a principal cotitular, aparecendo em seis pedidos (2,3%). Na Unicamp, registrou-se a menor proporção: dos 394 depósitos, 57 (14%) foram em cotitularidade. O destaque para as estatísticas da Unicamp fica na cotitularidade com empresas, maior do que os pedidos registrados com a Fapesp como cotitular. Dos 57 pedidos em regime de cotitularidade, 26 (6,6%) tiveram uma empresa como cotitular, e oito (2%) apenas contaram com o nome da Fapesp na cotitularidade.

Áreas

Os autores do estudo publicado na revista do CGEE também identificaram as áreas tecnológicas a que correspondem os pedidos de patentes das universidades públicas paulistas. USP e Unicamp apresentaram maior abrangência e diversidade tecnológica, pois ambas fizeram pedidos que envolvem todos os 30 subdomínios tecnológicos elaborados pelo Observatório de Ciências e Técnicas (OST). Nas duas universidades citadas, três subdomínios ficaram mais evidentes: farmacêuticos-cosméticos; biotecnologia; e análise-mensuração-controle.

UFSCar e Unesp pediram patentes em 15 dos 30 subdomínios da OST. No caso da primeira, destacam-se as áreas de materiais-metalurgia e trabalho com materiais, que representam 31,2% do conjunto de patentes depositadas pela UFSCar. Para os autores, esse domínio reflete a vocação da universidade federal no campo das ciências exatas e tecnológicas, com destaque para Engenharia de Materiais. A Unesp apresenta elevada concentração de pedidos (82,1%) nos subdomínios tecnológicos farmacêuticos-cosméticos, engenharia médica e biotecnologia.

Depósitos no exterior

"A partir das informações oferecidas pelos NITs das universidades pesquisadas, verifica-se que uma parcela muito pequena de documentos de patente foi depositada no exterior, ou mesmo estendida por meio do Tratado de Cooperação de Patentes (PCT, sigla em inglês)", afirma o texto. A UFSCar apresentou seis pedidos fora do Brasil; a Unicamp fez cinco depósitos. Unifesp e Unesp fizeram quatro pedidos de patente internacional, e a USP apenas dois, entre 2000 e 2007.

Licenciamento

Dos 394 pedidos feitos pela Unicamp desde 2000, 26 deles haviam sido licenciados até final de 2007. A segunda universidade a ter licenciado mais patentes no Estado foi a UFSCar - seis dos 45 pedidos feitos no período. USP, Unesp e Unifesp não apresentaram documentos licenciados no período na analisado pelos autores.

Rodrigo Maia e Lea Velho apresentam duas hipóteses iniciais para o nível de licenciamento das patentes acadêmicas. A primeira seria a possível existência de um grau de desconexão entre as tecnologias patenteadas pelas instituições e seu interesse mercadológico. O baixo nível de cotitularidade com empresas pode ser indicativo de uma possível falta de orientação comercial por parte das tecnologias que as universidades querem proteger.

A segunda hipótese se relaciona com a baixa demanda das empresas pelo conhecimento produzido localmente. Conforme mostra a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec 2005), as empresas brasileiras inovam mais por meio da aquisição de máquinas e equipamentos e por atividades complementares à compra de bens de capital, como treinamento e projeto industrial.

Maia, que trabalhou no NIT da UFSCar, afirmou na entrevista ter sentido na pele a dificuldade de fazer uma patente ser licenciada e do risco de não se concretizar a operação. Em um dos casos, a empresa com quem negociava o licenciamento de uma patente teve toda a diretoria demitida após ser comprada por uma firma estrangeira, no meio da crise econômica de 2008-2009.

"É injusto esperar que um NIT, nessa primeira década de funcionamento, ofereça retorno financeiro suficiente para se manter e crescer", diz. O pesquisador lembra que são raros os escritórios que conseguem ter mais receita do que despesa - uma exceção é o Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Questionado se o orçamento tem ligação com o desempenho do NIT, ele respondeu que sim. "[O orçamento] está diretamente associado aos números que os NITs apresentam, eles precisam de recursos para pagar pela redação da carta-patente, para tradução, para manter uma equipe mínima para organizar o processo, acompanhar prazos, etc.", comenta. A Lei de Inovação federal obriga as universidades a organizarem seus NITs para gerenciar suas parcerias e patentes, mas cabe a cada instituição encontrar formas de financiar esse órgão.

Apenas a longo prazo, disse Maia, será possível ver NITs sustentados por recursos dos royalties obtidos dos licenciamentos no Brasil. Uma medida que pode ajudar os núcleos e as universidades a ampliarem seus pedidos de patente e licenciamento de tecnologias, na visão do pesquisador, é fazer acordos de cooperação com empresas.

"A decisão de ampliar o licenciamento está diretamente associada ao grau de aplicabilidade do resultado da pesquisa no ambiente produtivo, e esse grau pode ser ampliado no caso das pesquisas conduzidas cooperativamente entre a universidade e as empresas", aponta. O autor do artigo também lembra que o depósito e licenciamento de patentes é apenas uma forma que o pesquisador tem de divulgar o conhecimento que produz e transferi-lo para a sociedade, e os pesquisadores, em geral, não buscam esse resultado a qualquer custo.

Perfil dos inventores

Como perfil geral, os autores identificaram que os inventores das universidades são professores titulares, com nível de doutorado, pós-doutorado e livre-docência. Também são ativos nos cursos de pós-graduação, orientando uma média de uma dezena de alunos em mestrado e doutorado.

Além de estarem no topo da carreira universitária, esses inventores também seriam bolsistas de Produtividade em Pesquisa do CNPq em nível 1, o que os coloca no topo e os ajuda a obter bolsas para seus alunos da pós, e liderariam pelo menos um grupo de pesquisa do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq.

(Janaína Simões)

(Boletim Inovação Unicamp)


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