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Pesquisas são essenciais para dar prioridade ao desenvolvimento de área secas

Jornal da Ciência

Pesquisas são essenciais para dar prioridade ao desenvolvimento de área secas

17/08/2010

Busca por mais espaço na agenda global é um dos objetivos da Segunda Conferência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (Icid+2018), aberta nesta segunda-feira, dia 16, em Fortaleza (CE)

Ciência e tecnologia são fundamentais nessa busca por visibilidade porque muitos governos tratam fome e degradação ambiental em áreas secas (regiões áridas, semiáridas e subúmidas, todas objeto da Icid+18) como uma questão local, em vez de global. Na avaliação do secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD, em inglês), Luc Gnacadja, aumentar e consolidar pesquisas nessa temática é um passo importante para disseminar seu caráter global.

"Há necessidade de mais ciência para demonstrar que, sim, devido ao fator humano, desertificação é um desafio local, mas devido ao fator climático, desertificação é um desafio global. E ambos desafios, local e global, terão conseqüências globais", afirmou Gnacadja, em entrevista na tarde desta segunda-feira, dia 16.

O principal papel das pesquisas, nesse caso, é oferecer padrões internacionais para metodologias e indicadores sobre o tema da desertificação. "Não se pode enfrentar um problema sem medi-lo. Indicadores e metodologia são essenciais", disse o oficial da ONU, lembrando que há indicadores sendo usados em todos os países, mas sem padrões. "Em alguns casos, existe o mesmo nome, mas a metodologia é diferente. Quando a metodologia é diferente, não se pode sequer comparar a informação."

Gnacadja não descarta a possibilidade de criação de um painel científico sobre desertificação, nos moldes do IPCC. "Há necessidade por um processo que entregue um tipo de autoridade global para ciência e tecnologia em desertificação, degradação de solos e mitigação de secas. Poderia ser um IPCC, poderia não ser. O ponto é que precisamos desses serviços", completou.

A insuficiência de padrões científicos internacionais para estudar os problemas das regiões secas do mundo indica falta de atenção da comunidade internacional à questão da desertificação. Dados citados na Icid+2018 apontam que cerca de 35% da população mundial vivem em regiões secas, ocupando 40% da área do planeta.

Na cerimônia de abertura da Icid+18, lendo mensagem do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, Gnacadja citou que em torno de 2 bilhões de pessoas vivem nessas áreas, a maioria com menos de um dólar por dia. Além disso, essas populações, localizadas sobretudo em regiões pobres da América do Sul, África, Oriente Médio e Ásia, são as mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.

Para mobilizar esforços e atenções para essa realidade, a UNCCD lançou, na abertura da Icid+18, a Década das Nações Unidas pelos Desertos e pela Luta contra a Desertificação (UNDDD 2010-2020). Veja mais em http://unddd.unccd.int/ e na matéria 2 desta edição.

A falta de atenção internacional ao tema se refletiu nacionalmente, na cerimônia de abertura. Embora a Icid+18 não seja conferência oficial da ONU nem tenha caráter deliberativo entre as partes, o evento, na manhã desta segunda-feira, careceu da presença de autoridades de escalões mais altos.

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, foi representada por seu secretário-executivo, José Machado. Nenhum ministro brasileiro esteve presente, embora compusessem a mesa de autoridades ministros do Senegal e de Níger, assim como o embaixador britânico no Brasil, Alan Charlton. A mais alta autoridade nacional foi o anfitrião do evento, o governador do Ceará, Cid Gomes. Nenhum outro governador do Nordeste compareceu.

Para o secretário-executivo da UNCCD, a desatenção com a questão da desertificação se dá também no âmbito da ONU. "As convenções do Rio não foram tratadas igualmente", afirmou Gnacadja, referindo-se, além da UNCCD, às convenções de mudanças climáticas (UNFCC) e de biodiversidade (CBD), cujas criações foram recomendadas pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), também conhecida como Rio 92.

"Foi dada mais ênfase em biodiversidade e mudanças climáticas. Desde o início, desertificação foi percebida como uma convenção que não deveria ser global. Porque alguns países veem desertificação como um desafio local", completou.

Declaração

O principal resultado da Icid+2018 será a Declaração de Fortaleza II, documento sintético com as principais recomendações oriundas da semana de debates. Até a sexta-feira, dia 20, cerca de 2 mil representantes (cientistas, formuladores de políticas públicas, representantes de governos e organizações não governamentais) de aproximadamente 100 países participarão dos debates.

Por sua vez, o principal objetivo da declaração final é influenciar na agenda da Rio+20, conferência da ONU que revisará os compromissos assumidos pela Rio 92 20 anos mais tarde, em 2012. Em 1992, com a Declaração de Fortaleza, a primeira edição da Icid levou a questão da desertificação para a Rio 92, possibilitando a criação da UNCCD, que foi instituída em 1996.

Agora, os debates sobre desertificação ocorrem dois anos antes do encontro no Rio, para dar mais tempo às discussões posteriores, segundo o diretor da Icid, Antonio Rocha Magalhães.

Segundo Magalhães, a Declaração de Fortaleza II será elaborada por um grupo de trabalho. Nesta segunda-feira, dia 16, o grupo ainda estava sendo formado, com representantes de todas as regiões do mundo. Vinte e cinco representantes deverão participar do trabalho de recolher sugestões com os relatores das mesas-redondas e painéis diários.

A sexta-feira, dia 20, será integralmente dedicada à conclusão da declaração. "A ideia é que na manhã da sexta a minuta desse documento seja lida. O resto do dia será para discutir o que está faltando, o que está sobrando. Não queremos fazer uma discussão palavra por palavra", informou Magalhães.

Os trabalhos deverão ser concluídos no fim da tarde. Como a Icid+18 não é oficial no âmbito das Nações Unidas, a declaração não necessita aprovação unânime nem tem força de resolução. É, nas palavras de Magalhães, "uma conferência de ideias", a subsidiar a Rio+20, essa sim oficial e com a presença de chefes de Estado.

O processo de construção do texto ainda está em aberto, mas o diretor da Icid+18 destaca quatro pontos genéricos que provavelmente estarão na declaração. Em primeiro lugar, uma chamada de atenção para a relevância do tema. Em segundo, a necessidade de incorporar os riscos das mudanças climáticas nas políticas públicas nas regiões áridas. Em terceiro, um destaque para as estratégias de desenvolvimento sustentável. Por fim, debater a necessidade de uma política de cooperação internacional, tanto técnica como financeira, que apoie mas respeite as iniciativas locais.

Participam da organização da Icid+18 o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Ciência e Tecnologia (MCT), e a iniciativa Dimensões Sociais da Política Ambiental (SDEP, em inglês), da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.

(Vinicius Neder, do Jornal da Ciência)

(O repórter viajou a Fortaleza a convite da organização da Icid+18)


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