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“Renaturalizar” as cidades, por que não? Aliança busca acelerar Soluções Baseadas na Natureza

Sustentabilidade

“Renaturalizar” as cidades, por que não? Aliança busca acelerar Soluções Baseadas na Natureza

“Pense globalmente, aja localmente”. O bordão antigo e muito disseminado entre movimentos ambientalistas acaba de ganhar novo tom com o lançamento nesta quarta-feira de uma aliança inédita para acelerar a adoção das chamadas Soluções Baseadas na Natureza (SBN). Antecipada ao Um Só Planeta, a iniciativa vem mostrar que as cidades sustentáveis e resilientes do futuro precisam trabalhar a favor do ambiente e não contra ele.

Construir parques lineares na margem de córregos e rios para minimizar os impactos de cheias e aumentar a cobertura de árvores e vegetação para reduzir as ilhas de calor são exemplos do pacote de soluções de “infraestruturas verdes” capazes de adaptar os acinzentados centros urbanos aos riscos de um mundo em aquecimento. Mas qual a dimensão dessas iniciativas no Brasil e o potencial de reinvenção urbana a partir de SBN?

As respostas serão mapeadas e consolidadas pela Aliança Bioconexão Urbana, formada por oito grandes instituições que pesquisam o tema emergente — Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), a Rede Brasil do Pacto Global da ONU, o ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade), a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), o WRI Brasil, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) e a The Nature Conservancy Brasil (TNC).

A iniciativa nasce em um momento de discussões efervescentes sobre a necessidade de uma recuperação econômica verde pós-pandemia e do papel das cidades na luta contra as mudanças climáticas. Concentrando mais da metade da população mundial, os centros urbanos emitem mais de 70% dos gases de efeito estufa globais, pelos cálculos da ONU, e enfrentam riscos que vão desde a elevação do nível do mar até ondas de calor e enchentes mortais.

“Nós precisamos repensar a forma como vivemos nas cidades e um dos caminhos mais interessantes, baratos e viáveis são as SBN. Estamos falando de usar a própria natureza para mitigar riscos e melhorar a qualidade de vida”, diz Marco Lobo, Coordenador do Observatório de Cidades Sustentáveis do Centro de Gestão e Estudos Estudos Estratégicos (CGEE), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

Soluções Baseadas na Natureza fazem parte de um debate que vem ganhando força no mundo, e a Aliança traz o tema para a realidade brasileira a partir do mapeamento de estudos de caso que já estão em andamento tanto pela iniciativa privada quanto pública por todo o país.

Em junho, pesquisadores do CGEE realizarão uma missão técnica virtual na cidade de Anápolis, em Goiás, para conhecer algumas soluções que a prefeitura está adotando para melhorar a gestão hídrica. "'É o caso dos jardins de chuva, que funcionam como uma drenagem natural para absorver e estocar água", explica o especialista.

Há casos mais conhecidos em cidades maiores, como o Parque Barigui, o mais visitado de Curitiba. Criado nos idos de 1970, décadas antes das SBN ganharem os holofotes, o parque de 1,4 milhão de metros quadrados “inunda” em dias de chuva forte, o que ajuda a amenizar as enchentes. “Tem gente que reclama desse efeito, mas é motivo para comemorar”, comenta Lobo.

Entre as metas e compromissos da Aliança está um trabalho de sensibilização da população para os benefícios dessas soluções, com ações de promoção do tema. Outras frentes de ação incluem a criação de um grupo de trabalho de políticas públicas sobre SBN, ações de engajamento do setor privado e captação de recursos junto a instituições financeiras nacionais e internacionais interessadas em viabilizar projetos verdes no país.

O financiamento dessas soluções ainda é um desafio. Uma pesquisa do WRI mostra que, em 2018, apenas 1,5% de todo o financiamento climático público internacional foi destinado a apoiar soluções baseadas na natureza para adaptação nos países em desenvolvimento. “Não há como falarmos em cidades sustentáveis sem parceria”, avalia Lobo.

Re-engenharia urbana

No eixo de articulação com o poder público, o desafio é construir uma nova mentalidade para dinamizar a renovação das cidades. “Sabemos que as nossas normas e diretrizes voltadas a urbanização no país são, muitas vezes, antiquadas, e queremos mostrar que as SBN são um caminho de reinvenção”, diz.

Uma pesquisa conduzida pela TNC em 4 mil médias e grandes cidades do mundo mostrou como soluções baseadas na natureza ajudam a equilibrar a oferta e demanda de água em tempos de pressão crescente sobre recursos hídricos, com benefícios para a biodiversidade e adaptação das cidades às mudanças climáticas. Os exemplos vão desde atividades de proteção de mananciais e reflorestamento à melhoria de práticas agrícolas em terras próximas a cursos d’água.

Um dos exemplos é o de Nova York, nos Estados Unidos, que, em vez de obras tradicionais de engenharia para evitar problemas de abastecimento de água, apostou em uma parceria público-privada para conservar bacias hidrográficas. Hoje, a medida colhe resultados significativos, chegando a uma relação de US$ 7 economizados com o tratamento de água para cada US$ 1 investido em conservação. A estratégia de conservação economizou aos cofres públicos valores da ordem de US$ 6 a US$ 8 bilhões e custos operacionais de US$ 300 milhões por ano, que seriam necessários para a construção e manutenção de uma estação de tratamento.

“A mensagem é clara. Precisamos recuperar a funcionalidade dos ecossistemas nas áreas urbanas. Sempre que o ambiente está fortificado, a cidade também se fortifica contra riscos de enchentes, secas e outros eventos climáticos extremos. E, para isso, política pública é fundamental”, destaca o engenheiro florestal e gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, André Ferretti.

Desde 2005 na Fundação à frente de projetos de conservação, Ferreti enumera outros benefícios de aumentar as áreas verdes nas cidades. “Se eu planto uma árvore em casa, em praças, nas ruas, eu reduzo emissões de CO2, reduzo parte da poluição sonora e filtro parte da poluição atmosférica. E quando essas soluções se dão em conjunto, o impacto se multiplica”, diz.

Segundo ele, para o Brasil aproveitar todo o potencial dessas soluções, é preciso conhecer os bons exemplos, entender nosso clima, nossa vegetação e nossa biodiversidade e, em cima de características próprias, desenvolver ações que possam ser replicadas. O trabalho junto ao poder público é importante para dar escala.

“A adoção de soluções baseadas na natureza demanda esforço conjunto de diferentes secretarias e profissionais, envolvendo obras, saneamento e meio ambiente. E acima de tudo, vontade política. As prefeituras têm orçamento para obras de engenharia, mas não incluem SBN, quando poderiam até combinar as soluções da obras tradicionais [de “infraestrutura cinza”] com soluções naturais, como um projeto hidráulico que inclua preservação de nascentes”, exemplifica.

Atenta a esses desafios e com base no mapeamento de iniciativas, a Aliança pretende consolidar um roadmap para acelerar a adoção de SBN, que deverá contemplar inclusive mudanças no ordenamento jurídico, tanto em nível municipal quanto federal, com a criação de diretrizes e até uma política nacional para essas soluções.

“Quando uma cidade for revisar seu plano diretor ou planejar um bairro, por que não pensar em uma solução da natureza? Vamos mostrar que existem dados, existe ciência e é possível quantificar os ganhos”, afirma Ferreti. Agora, mais do que pensar, é hora de agir. As soluções já estão aí.

 

Fonte: Portal "Um Só Planeta"

Disponível em: https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2021/05/12/exclusivo-renaturalizar-as-cidades-por-que-nao-alianca-busca-acelerar-solucoes-baseadas-na-natureza.ghtml